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Conflitos por terra aumentaram 72% em Mato Grosso Sul no 1º semestre do ano

11 OUT 2023 • POR Redação/EC • 16h03
Disputa por terras indígenas em Mato Grosso do Sul já gerou diversos confrontos entre os povos originários e os produtores rurais - Foto: Valdenir Rezende

A violência no campo aumentou 72% no primeiro semestre de 2023 em Mato Grosso do Sul. No mesmo período de 2022 foram registrados 44 conflitos, já no curso deste ano, são 76 embates por terras, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Outro estado do Centro-Oeste que chama atenção para o aumento de conflitos, é o de Goiás, em que o número de ocorrências saltou de 24 para 86, uma alta de 258% até o momento.

O aumento dos conflitos é observado em todo o país. De janeiro a junho foram 791 ocorrências, alta de 9,1% se comparado ao ano de 2022 que teve 725 conflitos. O número foi o segundo mais alto da década, atrás apenas de 2020, que teve 876 casos.

De acordo um dos coordenadores nacionais da Pastoral, Ronilson Costa, regiões como Mato Grosso do Sul e Goiás apresentaram números bem mais elevados na última década.

“Primeiramente, a economia brasileira vem se tornando cada vez mais primária, com base na exploração minerária e na expansão do agronegócio. Quando essas duas frentes se expandem, elas vão para territórios já ocupados, como áreas de agricultura familiar e territórios indígenas e quilombolas", explica.

Para Costa, o aumento nos conflitos por terra também se dá pela lentidão no andamento de processos judiciais a respeito de áreas em disputa.

"Há casos que já têm mais de 20 anos. Essa demora acaba sendo também uma forma de acentuar os conflitos, porque as famílias se tornam cada vez mais vulneráveis. Há uma situação de instabilidade e parte dos fazendeiros passa a pressionar as pessoas para que abandonem aquelas terras", pondera.

Além disso, o representante da Pastoral aponta que houve um desmonte dos mecanismos de mediação de conflitos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

"O governo anterior desmontou as políticas públicas voltadas a estabilizar e garantir segurança a essas famílias. Foram anos de muita invasão de terras indígenas e quilombolas por parte de fazendeiros e de grileiros", relembra.

Cabe destacar, que os principais atingidos pela violência por terra foram os povos indígenas, com 38,2% dos casos, seguidos de trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).

Os dados foram coletados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) e foram divulgados hoje (10) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O levantamento é feito pela organização desde 1985.

Trabalho escravo

A Pastoral também documenta outras situações, como ocorrências de trabalho escravo e conflitos pela água. No total, foram registrados 973 conflitos no campo no período, alta de 8,1% em relação a 2022, com envolvimento de cerca de 527 mil pessoas.

Em relação aos casos de trabalho escravo, cresceram tanto o número de registros (20%), chegando a 102 ocorrências, quanto de pessoas resgatadas (43,9%), totalizando 1.408 trabalhadores. A quantidade de resgates é a maior desde 2014, o que, segundo a pastoral, demonstra a maior visibilidade dada a estas violências.

O agronegócio foi a atividade com mais pessoas socorridas, sendo 532 no cultivo da cana-de-açúcar, 331 em lavouras permanentes e 46 na pecuária. Também foram resgatadas vítimas em atividades de mineração (104), desmatamento (63) e produção de carvão vegetal (51).

Amazônia

Por outro lado, a violência no campo diminuiu na Amazônia Legal no primeiro semestre deste ano de 2023. Foram registrados 329 conflitos por terra na região, uma queda de 25,7% na comparação com o mesmo período de 2022. 

A região da Amazônia Legal engloba os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Essa redução dos conflitos na região amazônica acontece ao mesmo tempo em que há queda nos números de desmatamento e crescimento nas ações de fiscalização de crimes ambientais, no governo do presidente Lula (PT) .

Além disso, segundo as informações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, os alertas de desmate na Amazônia caíram 33,6% até junho de 2023, taxa mais baixa desde 2020. 

No mesmo intervalo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aumentou em 166% as multas aplicadas por crimes contra a flora nos últimos quatro anos. Já os embargos cresceram 111% e a destruição de equipamentos usados em crimes ambientais aumentaram 260%. 

Apesar disso, Ronilson Costa, um dos coordenadores nacionais da pastoral, ressalta que o número de conflitos na Amazônia ainda é muito elevado.

"Eu acredito que [com o novo governo] possa ter iniciado uma nova fase de fiscalização, de atenção. O mundo inteiro está com os olhos voltados para a amazônia, o que é uma pressão importante. Mas, no dia a dia dos povos ribeirinhos e indígenas, ainda há muitas situações de pressão e violência", afirma.

Um exemplo dado por Costa são os povos mundurukus, no Pará, que têm sofrido muitas situações de ameaças e violência. 

"No Amazonas, há ações constantes contra ribeirinhos, que têm seus territórios pesqueiros invadidos por empresas", disse lembrando que embora o número de conflitos tenha caído na região, cresceu a quantidade de pessoas atingidas. 

Falta de políticas públicas

Outro relatório da CPT mostra que, de 2019 a 2022, houve alta de 29,8% nos confrontos por terra na Amazônia na comparação com os quatro anos anteriores.

"O governo Lula 3 inicia com uma perspectiva de abertura de diálogo e mediação de conflitos. Mas há uma carga elevadíssima de demandas das comunidades", observa.

Por outro lado, Costa revela que o governo federal tem alegado falta de dinheiro para implementar políticas na área.

"O governo diz que não há recursos para 2023, mas as situações estão ocorrendo. Terras continuam sendo invadidas por madeireiros, mineradoras e garimpeiros", expõe.

No mês de agosto de 2023, Lula assinou decretos para retomar o Programa Nacional de Reforma Agrária. Entre as medidas anunciadas estão o assentamento de 5.700 famílias até o final deste ano, a regularização de 40 mil famílias assentadas e a aplicação de R$ 300 milhões em Crédito Instalação, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Correio do Estado