Entrevista

Minha missão é trazer o Mapa para o século XXI

13 DEZ 2018 - 15h:15 Por Redação/TR
Foto: Reprodução / Agro DBO

A engenheira agrônoma e deputada federal Tereza Cristina Correa da Costa Dias recebeu com surpresa algumas semanas atrás o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para ser a ministra da Agricultura do novo governo. Formada pela Universidade Federal da Viçosa (MG), e pertencente a tradicional família de produtores rurais, radicada no Mato Grosso do Sul, estado por onde foi reeleita em 2018 para o seu segundo mandato na Câmara dos Deputados, preside desde o início deste ano a FPA – Frente Parlamentar da Agropecuária, que é considerada uma das duas bancadas mais poderosas do legislativo federal.

A futura ministra conversou com o editor-executivo da revista Agro DBO, jornalista Richard Jakubaszko, quando revelou alguns de seus objetivos para cumprir a missão de liderar o Mapa, além de revelar a missão estabelecida pelo presidente. A posse no cargo está prevista para o início do ano, mas a ministra tem participado ativamente de reuniões com a equipe do governo de transição no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília, onde trabalha provisoriamente o novo governo.

Tereza Cristina, como é conhecida, afirma ter simpatias pelo Flamengo do Rio de Janeiro.

Agro DBO – Dos seus planos para o Mapa, quais são as prioridades?

Tereza Cristina – A gente tem muitas coisas para fazer. O Mapa é um ministério estruturado, é um dos mais antigos, mas algumas coisas nós precisamos modificar, como deixar o ministério mais leve, ele tem de entrar no século XXI em algumas áreas, e acompanhar o que a iniciativa privada tem feito. Ao mesmo tempo, desde a década de 1980 a agricultura deu um salto tecnológico, de substancial aumento da produtividade, e hoje nós temos muitos passivos no Mapa para atualizar. Precisamos ainda ter regras claras, leis que sejam seguras, para que nossos produtos possam ser exportados para qualquer país do mundo. O Mapa é o ministério que põe o alimento no prato das famílias, então nós temos que dar segurança, mas também não podemos ter excessos e atrapalhar o nosso cliente, que é o produtor rural.

Agro DBO – Uma das suas prioridades, então, está na desburocratização e na agilização dos processos, na modernização do ministério?

Tereza Cristina – Exatamente, continuar o trabalho que já tem sido feito.

Agro DBO – O presidente especificou alguma missão especial?

Tereza Cristina – Produzir mais, e, especialmente, formular políticas públicas para o pequeno agricultor, principalmente para os pequenos agricultores do Nordeste, que lutam contra a seca, perdem tudo, e depois ainda vão para as cidades disputar sem qualificação o mercado de trabalho.

Agro DBO – Então, para fazermos agricultura a gente precisa de terra, sol e água, pode- -se deduzir que a transposição do rio São Francisco vai ser orientada pelo Ministério da Agricultura?

Tereza Cristina – Não se sabe ainda, é uma das coisas que a gente ainda está discutindo se a irrigação virá para o Mapa, incluindo o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca), mas queremos abrir um diálogo muito forte para que se possa trabalhar, inclusive com outros ministérios, como Cidades, Integração, para que venha mos a atingir essa meta determinada pelo presidente.

Agro DBO – Uma das metas então seria desburocratizar o financiamento de equipamentos de irrigação pelo BNDES? Porque hoje o banco só financia um pivot ou equipamento se tiver um estudo de impacto ambiental, que leva meses para ser concluído e custa muito caro. Os ambientalistas já ganharam essa batalha?

Tereza Cristina – Não só isso, nós temos que desburocratizar e melhor administrar as liberações de licenças ambientais para viabilizar projetos de produção e da atividade rural. Essa é uma das coisas em que a gente vai trabalhar muito forte.

Agro DBO – E a nova lei dos defensivos fitossanitários?

Tereza Cristina – Esse é um assunto que está em andamento no Congresso. Eu já fiz o meu papel, como deputada e como presidente da FPA, orientei os legisladores sobre as necessidades dos produtores. O Projeto de Lei (PL) na verdade é uma consolidação, uma reorganização e até mesmo uma internalização do que existe lá fora em termos de legislação sobre o assunto. Agora depende dos meus colegas no legislativo.

Agro DBO – Entre as propostas agregadas nesse PL, depois de muitos anos de tramitação, existe uma que prevê multa aos agentes reguladores, no caso o Mapa, através da Defesa Agropecuária, e também do Ibama e da Anvisa, se não cumprirem os prazo de liberação dos pedidos de registro de produtos. No caso são multas ao agente pessoa física. Como a senhora vê isso?

Tereza Cristina – Na verdade isso não está no PL, e se for proposto acho que não deveria ser aprovado. Os prazos até podem ser estabelecidos, mas não acredito que haja multas.

Agro DBO – Como a senhora se sente em ser cognominada de musa do veneno?

Tereza Cristina – É pejorativo, é uma tentativa de desqualificar, não é? É depreciativo, claro, porém eu cumpri meu papel, mas provém de pessoas que não conhecem a realidade brasileira, e desconhecem as dificuldades da agricultura.

Agro DBO – A senhora deu declarações recentes aos jornais de que questões do Mercosul devem ser rediscutidas e reavaliadas. Isso se refere aos problemas dos arrozeiros e produtores de leite do Sul do Brasil?

Tereza Cristina – Principalmente os arrozeiros, que sofrem com uma competição desigual que provoca desequilíbrios nos preços do arroz aqui no Brasil, tirando todo e qualquer resquício de lucratividade dos produtores. Mas há outros desequilíbrios com produtos agrícolas semimanufaturados, o que prejudica toda a cadeia do agronegócio, principalmente os pequenos produtores rurais que têm pouca margem de manobra para se defenderem.

Agro DBO – O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, já declarou que o Mercosul não será prioridade no novo governo, dando a entender que o Brasil poderia até mesmo se retirar do bloco. Como a senhora vê isso?

Tereza Cristina – Acho que vocês vão ter de falar com ele...

Agro DBO – Mas qual é a sua opinião?

Tereza Cristina – Acho que o Mercosul tem dois lados, tem a parte de aduana, onde cada país tem as suas regras. Não dá para fazermos como a União Europeia. Mas temos o problema de mercado, e isso precisa ser tratado de maneira moderna, na verdade temos que modernizar essas regras, e Paulo Guedes deve ter uma proposta em breve, quando espero analisar o problema, até para formar uma opinião a respeito.

Agro DBO – Existe hoje uma dualidade, uma verdadeira guerra comercial entre Estados Unidos com a China, taxações de importações de produtos para dificultar importações. Cada um deles tem o discurso de “venha com a gente”, e o Brasil no meio disso. Os EUA tem um estoque monstruoso da soja colhida agora em outubro, enquanto os chineses importam daqui do Brasil, contrariando os interesses americanos. Como é esse alinhamento do Brasil, vamos ficar com a China, nosso maior cliente, ou vamos com os americanos?

Tereza Cristina – Eu acho que o Brasil tem de ficar com os dois. Essa briga é muito grande, há interesses maiores envolvidos nisso. Acho que devemos nos aproximar mais de todo mundo, especialmente dos EUA. Mas a China é o nosso maior cliente, convenhamos que isso é muito importante para a agricultura brasileira.

Agro DBO – Mas a nossa diplomacia indica que, com o novo chanceler, vamos ter problemas com os chineses e em outros países não alinhados ideologicamente com os Estados Unidos.

Tereza Cristina – Temos conversado muito sobre isso, tanto no governo de transição, como no Congresso brasileiro. A agricultura é muito importante para o Brasil e para a nossa pauta de exportações. O ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Mapa terão de ter muita conversa e têm que estar muito afinados para que tenhamos a manutenção dos nossos clientes atuais e para que possamos abrir e conquistar novos mercados.

Agro DBO – Até porque precisamos aprender muito sobre os nossos clientes, e também porque o estabelecimento dos adidos comerciais especializados em agricultura em nossas embaixadas é um processo recente.

Tereza Cristina – É claro, e os adidos podem ajudar, mas precisamos dos conselheiros internos de cada área, e também de conversar com o MRE, e isso depende de uma boa vontade nossa, acho que essa aproximação é fundamental para termos sucesso nessa área, de vendermos nossa imagem, dessa agricultura tropical que nós temos.

Agro DBO – O Mapa vai incentivar o plantio dos pulses (proteínas vegetais, como grão-de-bico, lentilha) como tem solicitado a Índia? Há um mercado de mais de 1 bilhão de consumidores vegetarianos para isso, e seria uma oportunidade de diversificarmos nossos plantios, não é?

Tereza Cristina – A Embrapa vem pesquisando sobre isso. Eu confesso que não tenho maiores detalhes de como andam esses estudos, mas acho que é um mercado muito interessante para o Brasil, especialmente para a agricultura familiar.

Agro DBO – A gente aqui acredita que até para médios e agricultores de grande porte seria um bom negócio. Primeiro, porque diversifica a atividade, hoje focada apenas em soja e milho. Segundo, porque um produtor de grãos hoje com 100 hectares não consegue sobreviver, e nem mesmo comprar uma colheitadeira, devido ao aumento dos custos de produção e a baixa rentabilidade.

Tereza Cristina – Com certeza, e a gente tem visto alguns plantios diversificados, como lentilha, gengibre, gergelim, e até grão-de-bico, isto significa que o agricultor está aprendendo também, na prática. Claro que vamos incentivar isso.

Agro DBO – E o seguro rural e de renda? Como será na sua gestão?

Tereza Cristina – É verdade, é uma área em que temos que focar e trabalhar muito nisso, e priorizar. Acho fundamental que tenhamos soluções para esse problema. O seguro agrícola, e o de renda, são a única garantia para o produtor.

Agro DBO – O ex-ministro da Agricultura Luís Carlos Guedes Pinto, em recente artigo publicado aqui na Agro DBO, fez proposta de se exterminar com o subsídio ao crédito rural, até porque os juros e a inflação estão baixos, e colocar esse dinheiro economizado no subsídio para financiar o seguro rural e o seguro de renda, o que lhe parece essa proposta?

Tereza Cristina – Eu concordo com ele. Ele tem toda a razão, eu penso nesse caminho também. Acho também que não se pode fazer isso de uma vez só, mas penso que esse pode ser o grande caminho para dar solução a esse problema que há quantos anos a gente anda patinando nisso e não sai do lugar.

Agro DBO – Qual é a pergunta que a gente deveria ter feito para a senhora e que não foi feita?

Tereza Cristina – (Risos...) Eu não sei... Talvez do porquê eu aceitei esse desafio... Mas ainda não pensei sobre isso...

Fonte: Revista Agro DBO

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