Carteira Nacional de Habilitação: um sonho comum entre jovens, adultos e idosos sul-mato-grossenses que esbarram em estatísticas impressionantes de desclassificação. Em cinco anos, conforme dados do Detran-MS(Departamento Estadual de Trânsito), foram cerca de 130 mil candidatos que reprovaram na prova prática e que não completaram os requisitos para obter a permissão para dirigir.
São quatro testes que separam as tentativas e o sonho de ser um condutor habilitado em Mato Grosso do Sul. Até poder conduzir legalmente um veículo, inicialmente, apenas nas categorias A e B (moto e carro), é preciso vencer exame médico, exame psicológico, prova teórica e, por fim, a prática. Esta é a mais desafiadora e responsável pelas milhares de reprovações em meia década.
A categoria B é, com certeza, a mais requisitada em todo o Estado. Conforme informações do banco de dados Detran em Números, foram 78.002 habilitações somente da categoria B nos últimos 12 meses em Mato Grosso do Sul.
A segunda opção mais procurada pelos motoristas é a AB pela sua facilidade, uma vez que permite a condução de motos e carros. No último ano foram 55.964 exames para essa categoria. Em terceiro lugar vem a categoria A, com habilitação exclusiva para motos, com 39.762 exames para a conquista da CNH.
Independente da modalidade, todos os candidatos à CNH precisam passar por um teste que constantemente tira o sono de muitos alunos: a prova prática, que consiste, como o próprio nome diz, em colocar a mão no volante ou no guiador, e dirigir bem.
Prova prática do Detran
A prova prática do Detran é a última etapa da avaliação do candidato à CNH, realizada, normalmente, em duas etapas: baliza e percurso em via pública. Dessa forma, uma vez que o exame prático é a principal forma do departamento se certificar de que o candidato sabe conduzir um veículo, o aluno precisa mostrar destreza e controle ao conduzir. Porém, é nessa fase que muitos “rodam”.
Foi justamente esta prova prática que reprovou, num comparativo histórico entre 2018 até agosto de 2023, o exame que mais reprovou candidatos das categorias AB e B. Num universo de 308.631 exames, 178.302 ficaram aptos e 130.386 inaptos. Só em 2023, o teste representou 44,64% de reprovações dos 37.758 aplicados até o último balanço do Detran-MS.
A boa notícia, no entanto, é que o índice de aprovação é maior do que reprovação tanto na prova prática quanto nos outros testes.
Em 2018, dos 50.434 exames de condução prática, 23.900 foram reprovados contra 26.573 aprovações. Nos últimos anos, 2022 foi o período que mais registrou reprovação: foram 65.406 testes aplicados, com mais de 28 mil reprovações e 36 mil aprovações.
Entre 2019 a 2021, foram aplicadas 155.033 provas práticas. Dessas, 61.193 testes foram descartados por falhas na condução. O ano com menos gente reprovada, até agora, foi o de 2020 (16.263). Porém, esse intervalo também apresentou menos procura pela prova (42.508) do que nos demais, possivelmente uma resposta à pandemia que dificultou o acesso a vários serviços.
Estatísticas dos exames em 2023
Os dados do Detran de 2023 contemplam números registrados até agosto e mostram o mesmo padrão de reprovações dos últimos cinco anos, isso significa que o prático lidera o índice de dificuldade (16.854 inaptos), seguido do teórico (9.832), médico (6.161) e, por fim, o psicológico (4.737).
Exame teórico é o 2º que mais reprova
Uma vez que os candidatos também precisam provar os seus conhecimentos, o teste teórico é o 2º do Detran-MS a registrar mais números de reprovação entre 2018 e 2023. Nesse período, foram 75.599 reprovações - o pico foi registrado em 2022, com 21.750 testes inaptos. Essa fase foi responsável por desclassificar 24,34% dos candidatos nos últimos cinco anos.
Em contrapartida, os exames médico e psicológico são os "mais fáceis". Cada um registrou uma taxa de 3,57% e 11,64% de reprovação, respectivamente, entre 2018 e 2019. Em 2023, 141.957 provas de conhecimento teórico foram aplicadas, o que resultou em 136.017 aprovadas e 6.161 reprovadas.
Também neste ano, o exame psicológico foi aplicado em 58.940 candidaturas, dos quais 54.264 foram considerados aptos e 4.737 inaptos. Confira, abaixo, a quantidade de exames aplicados nos últimos cinco anos nas categorias B e AB:
Médico: 1.078.053
Prático: 308.631
Psicológico: 344.839
Teórico: 310.583
Fatores emocionais influenciam no sucesso da prova prática
O Detran-MS confirma que a prova prática é a que mais registra reprovações em todas as categorias. Em 2022, contando com todas as categorias, foi esse exame responsável por 36,93% das reprovações. O mesmo padrão é observado em 2021 (34,63%), 2020 (33,86%) e 2019 (37,23%) e 2018 (39,84%).
O teórico também ocupa o segundo lugar de reprovações quando se engloba todas os tipos de CNH, com 31,76% inaptos em 2022, 23,58% em 2021, 21,33% em 2020, 21,43% em 2019 e 21,70% em 2018. A menor taxa de reprovação da categoria A a E em todos esses anos foi o teste médico.
Ao Jornal Midiamax, o Departamento de Trânsito confirma que as taxas de reprovação são bem parecidas nos períodos pesquisados. Além disso, pontua que os fatores emocionais podem ser preponderantes para que o nível de inaptidão do teste prático lidere em MS.
“Acreditamos que o principal fator que influencia no resultado do exame é o emocional. Manter o controle emocional durante o exame prático de habilitação é fundamental para garantir um desempenho seguro e confiante. Nervosismo excessivo ou ansiedade podem prejudicar sua capacidade de dirigir adequadamente”, explica Issa Zeinab, chefe da Divisão de Exames do Detran-MS.
Nervosismo e vícios podem interferir
Apesar da taxa de reprovação ser alta, dados de 2022 revelam que 88% dos candidatos passaram na primeira tentativa.
Foi o caso da Vitória de Oliveira da Silva Melo, publicitária de 26 anos. Ela começou o processo para tirar a CNH em julho de 2022 e conquistou a sua habilitação em novembro. Hoje, a jovem tem autorização para conduzir veículos da categoria B e afirma ter passado direto em todas as fases.
Porém, recorda o quanto a prova prática foi a mais desafiadora de todo o processo em Campo Grande. O maior obstáculo era justamente o nervosismo.
“É criado um medo sobre a prova prática e realmente ela é a mais desafiadora. No meu caso foi o percurso em si, a baliza eu fiz tranquila”, recorda. A jovem ainda ressalta o quanto as emoções são determinantes para as aprovações ou reprovações nos testes teórico e prático.
“Para controlar meus sentimentos eu tentei pensar que era só uma fase, independente de reprovar ou não eu iria passar por aquilo e estava tudo certo. Dormi bem nas noites anteriores às provas e consegui realizá-las. Com medo? Sim, com medo mesmo”, brinca.
Enquanto isso, Wlisses Ramos Cardoso, de 22 anos, sonha em conquistar sua CNH para ter maior facilidade na hora de ir ao trabalho e seguir com os compromissos da rotina com mais liberdade. Ele está passando pelo processo para conseguir as categorias A e B e, até o momento, também não reprovou em nenhuma etapa.
Para ele, o mais difícil tem sido fazer as aulas práticas. “Quem já aprendeu a dirigir com um parente ou amigo acaba pegando manias que não são as corretas, a dificuldade foi se adaptar às normas de trânsito”, afirma.
Alunos precisam estar preparados
Nesse cenário, o diretor-geral da Autoescola Kapital, Dionnes Jorge, explica ao Jornal Midiamax que o índice de reprovação no carro é maior pela grande quantidade de procura em Campo Grande, comparando-se às demais modalidades.
Dionnes também observa que, na maioria das vezes, o aluno é reprovado por estar nervoso na hora de pegar o carro. Por isso, é importante estar preparado antes de avançar para essa etapa.
“Geralmente nós mandamos os alunos para a prova quando eles estão realmente preparados. Alguns são cabeça dura e vão para prova sem estarem prontos. [Para as autoescolas] o índice de aprovação tem que ser de 60%, no mínimo. É uma exigência do Contran (Conselho Nacional de Trânsito)”, afirma Dionnes.
Questionado sobre as aprovações, o diretor da autoescola afirma que quem passa de primeira são os candidatos que já sabem dirigir ou aqueles procuram aulas nos locais especializados. Porém, há uma média de duas tentativas por pessoa até a conquista da CNH.
Baliza é o ‘terror’ da prova prática
Elington Santos Andrade, 29 anos, trabalha como gerente da autoescola WS na Direção em Campo Grande. À reportagem, ele fala que o índice de aprovação no teste teórico é bem alto, diferente do observado na prova prática.
As dificuldades começam na primeira fase do exame, quando o aluno precisa fazer a baliza em cinco minutos. Muitos candidatos, no entanto, sequer conseguem passar dessa etapa e ir para o percurso em via pública.
“Os alunos acabam estourando o tempo da prova ou batendo o carro”, diz. Andrade ainda comenta que são diversos fatores que podem culminar neste resultado, mas o emocional é o mais frequente. Além disso, durante o percurso da prova prática, o candidato deve ficar atento para não perder pontos com infrações, como não dar seta, não olhar no retrovisor e estacionar longe da calçada.
“Muitos alunos dirigem muito bem nas aulas, mas chegam no exame e se sentem ansiosos, nervosos. São coisas que o aluno não erra durante as aulas, mas acaba errando na prova”, diz. Na autoescola, o gerente percebe que 65% das pessoas passam nas provas da CNH de primeira, outra parte precisa fazer uma segunda tentativa. Vez ou outra, algum aluno precisa fazer a partir da terceira tentativa.
Diante das dificuldades, os profissionais dão dicas de como os alunos podem mandar bem na prova prática.
Como mandar bem na prova prática do Detran?
Uma vez que os fatores emocionais influenciam diretamente no resultado da prova prática, os especialistas dão dicas de como mandar bem nessa hora. Para Dionnes, o principal ponto é fazer o que o instrutor pede, pois ele é o profissional capacitado e conhece as condições reais do aluno.
“O segundo ponto é ter a ciência de que se você está na prova com a liberação do professor, é porque você está preparado! Terceiro: existem algumas técnicas a serem usadas no dia da prova, como dormir bem, se alimentar com alimentos leves, ouvir uma boa música, procurar relaxar. Uma oração ajuda muito”, elenca Dionnes.
Medidas para tranquilizar os alunos e evitar grandes taxas de reprovação também são implementadas na própria autoescola, como simulados práticos para os alunos identificarem suas dificuldades, reuniões pedagógicas e atualização comportamental dos alunos.
“Se todos os alunos entenderem que se eles treinarem, então estarão prontos, tenho certeza que diminuiria muito as reprovações. Mas, entendemos que o fato de estar sendo avaliado mexe com todos nós”, complementa Dionnes.
Elington também reforça a importância de ter uma boa noite de sono antes da prova prática, memorizar as instruções dadas durante as aulas e até chegar cedo ao exame.
“Se você puder é até melhor chegar antes do horário para ter tempo de respirar e não fazer nada correndo. Sempre falo para os alunos não brigarem em casa com os familiares, ter um dia tranquilo anteriormente porque o fator emocional influencia muito mais do que a gente imagina”.
Evitar sair para festas para não correr o risco de fazer a prova prática de ressaca também é um diferencial. Afinal, o importante é ficar bem mentalmente para executar o que já sabe.
Se mesmo assim ocorrer a reprovação, os especialistas afirmam que os alunos não podem desanimar e tentar novamente com mais segurança e preparo para, então, conquistar de vez a Carteira Nacional de Habilitação.
Nathália Rabelo/mídiamax