Refugiados

MS foi o destino de palestinos que fugiam da guerra no Oriente Médio

11 OUT 2023 - 14h:21 Por Redação/EC
 O comerciante Omar Faris ainda aguarda o retorno dos irmãos, que esperam resgate na Cisjordânia O comerciante Omar Faris ainda aguarda o retorno dos irmãos, que esperam resgate na Cisjordânia - Foto: Gerson Oliveira

O conflito entre Israel e Palestina agravou-se no sábado, após ataque do grupo extremista islâmico Hamas, que foi um dos maiores já vistos contra o estado israelense. No entanto, a guerra por território foi originada em 1948, com a criação de Israel.

A violência em meio à guerra, que perdura há anos, foi um dos principais motivos para famílias palestinas abrigarem-se em Mato Grosso do Sul.

Paulo Filho, coronel da reserva do Exército Brasileiro, doutorando em Relações Internacionais e mestre em Estudos de Defesa e Estratégia, explica que o conflito começou imediatamente após a criação do estado de Israel, em 1948. 

"Houve a Primeira Guerra Árabe-Israelense, vencida por Israel. Depois, aconteceram mais três guerras, em 1956, 1967 e 1973, esta última chamada de Guerra do Yom Kippur, que ocorreu há exatamente 50 anos, e a ação terrorista do Hamas marcou exatamente essa efeméride", comenta o analista. 

Paulo Filho aponta que a região de conflito é considerada uma Terra Santa para ambos os povos, judeus e muçulmanos, e que a guerra dura até os dias de hoje porque as causas não foram solucionadas, com radicais de ambas as partes que não reconhecem nem mesmo a possibilidade da existência do estado rival. 

"Há os moderados de ambas as partes, que acreditam que a solução é a criação de dois estados separados, objetivo que até hoje não foi alcançado, visto que a Palestina não é um estado internacionalmente reconhecido", informa o especialista, que acredita que a solução para o conflito não está próxima.

"Já não era antes da atual crise, e agora, com o tremendo acirramento da violência, estará ainda mais longe", conclui. 

A violência foi um dos fatores que fez com que a família do comerciante Omar Faris se mudasse para Campo Grande.

O pai do palestino, que já tem nacionalidade brasileira, veio para Mato Grosso do Sul em 1960, pois já tinha um amigo que estava na Capital. Do Brasil, o pai de Faris enviava dinheiro para a família na Palestina, até a Guerra dos Seis Dias. 

"Quando aconteceu o conflito, começaram a surgir boatos, e a gente ficou com medo, qualquer coisa que a gente ouvia dava para acreditar. Falavam que se você tivesse alguém que mora fora da Palestina, não tinha condição nem de receber correspondência. Ora, se é isso, como que nós recebíamos recursos?", conta Omar Faris. 

Ismail Hassam também é comerciante e nasceu no Brasil. Seu avô veio para Campo Grande após ter conhecimento de um tio distante, que vivia em São Paulo.

Na época, a família já havia saído da Palestina e estava tentando se estabelecer na Jordânia, mas passava por muitas dificuldades financeiras. 

"Na época, o pai do meu avô tinha uma fazenda muito grande na Palestina, e ele conta que aconteceu todo o negócio de que a Palestina já ia virar Israel, e na fazenda começou a entrar um monte de gente armada, dando tiro para o alto. Meus avós saíram correndo apenas com a roupa do corpo e foram para a Jordânia, que era um país próximo e sem guerra", diz Ismail Hassam. 

O avô dele foi até São Paulo para conhecer o tio distante, que vivia bem no Brasil, deixando sua família em segurança na Jordânia, para conhecer o país sul-americano.

Já na capital paulista, o patriarca da família aprendeu a vender calçados de porta em porta, até que chegou a Campo Grande. 

A maior parte da família de Ismail, após chegar ao Brasil e se instalar em Campo Grande, não retornou à Palestina, por medo de arriscar a vida. 

"Meu pai já nasceu na Jordânia, então ele não tem muito apego à Palestina, mas, pela história dos meus avós, ele tem noção de tudo o que aconteceu e, na época, a família passou por muito aperto por causa disso. A família era rica e, de um dia para o outro, perdeu tudo, tinha uma fazenda gigante, perdeu tudo sem nem entender na época", comenta. 

Omar Faris também dá relatos de invasões de militares israelenses em casas de palestinos. Uma das irmãs do comerciante também sofreu com a ação. 

"Além de eles invadirem as casas na madrugada, eles queimavam lavouras palestinas, arrancavam ramos de oliveira. Ora, nós sabemos que o ramo de oliveira representa a paz, então, se alguém arranca ele, está praticamente renunciando a paz", relata Faris. 

O comerciante também aponta atos como envenenamento de água, bloqueio de cidades e impedimento de colheitas, feitos pelo exército israelense.

O Human Rights Watch acompanha o conflito na região há anos e realiza uma série de denúncias de crimes contra direitos humanos nessa guerra, entre eles, o assassinato de crianças palestinas por Israel. 

Além do Human Rights Watch, outras entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), também apontam uma série de crimes contra a humanidade cometidos por ambos os lados do conflito. 

Carlos Cinelli, coronel da reserva do Exército e professor de Direito Internacional Humanitário da Escola Superior de Defesa e da PUC Minas, informa que as condutas dos combatentes em um conflito armado são reguladas pelo Direito Internacional Humanitário (DIH). 

As normas do DIH são feitas por intermédio de tratados, que os estados têm a prerrogativa de adesão ou não. 

"O estado de Israel não é parte em alguns importantes tratados que versam sobre meios e métodos de combate, porém, está obrigado a seguir o costume de proteger os civis dos efeitos de seus ataques e de prevenir danos a instalações ou bens de natureza exclusivamente civil", relata o especialista. 

Cinelli aponta que o Hamas é um grupo armado não estatal, ou seja, se vale de práticas terroristas e faz uso de métodos expressamente proibidos pelo DIH, "como uso de civis como escudos humanos, o sequestro e a tomada de reféns". 

Mesmo assim, Cinelli relata que combatentes, tanto de Israel quanto do Hamas, mesmo sendo um grupo armado não estatal, podem ser responsabilizados por crimes de guerra, que foram constituídos pelo Estatuto de Roma para o Tribunal Penal Internacional. 

O especialista relata que, apesar de haver tratados, o Direito Internacional opera segundo uma lógica de coordenação, e não de subordinação.

Isto é, os estados continuam sendo soberanos sobre suas condutas e, apesar de haver uma pressão internacional e da opinião pública, não há uma "polícia do mundo", que possa exigir com que os estados ajam de acordo com as normas internacionais. 

"A ONU tem um papel muito relevante no aspecto de concitar os estados a adotar ou deixar de adotar determinadas condutas, mas mesmo seu poder coercitivo depende do Conselho de Segurança, em especial do posicionamento de seus cinco membros permanentes, os quais muitas vezes têm agendas políticas variadas. Em suma, o tema é bastante complexo. Se não fosse assim, não estaria remanescendo por décadas a fio sem uma solução definitiva", completa. 

Brasileiros  

Enquanto há muitos palestinos que escolheram o Brasil para fugir do conflito e ter uma vida em paz, há também brasileiros que fizeram o oposto.

O músico da Orquestra Filarmônica de Tel-Aviv Brenner Rozales, que mora em Israel há dois anos, relata que já viveu momentos de alarme, mas nunca viu algo como o que ocorreu no sábado. 

O violinista está atualmente em Campo Grande, mas tinha passagem comprada para retornar a Israel no dia 23, no entanto, diz que provavelmente não voltará, visando manter a sua integridade física e psicológica. 

"Nas vezes em que eu estava lá, os mísseis não chegaram até Tel-Aviv, por ser mais afastado da Faixa de Gaza, apesar de a sirene ter tocado algumas vezes. Dessa vez, caíram mísseis em Tel-Aviv, fiquei muito preocupado com meus amigos que estão lá, mas, felizmente, todos que conheço estão bem", aponta. 

Brenner Rozales lamenta muito ter de adiar o sonho de concluir os estudos em Israel, mas espera conseguir retornar após o encerramento do conflito. "Tenho esperança de que isso se resolva de forma mais pacífica". 

A Força Aérea Brasileira (FAB) disponibilizará cinco aeronaves para buscar brasileiros em Tel-Aviv e trazê-los em segurança ao País.

A Operação Voltando em Paz teve a primeira aeronave, KC-30, pousando na capital israelense na manhã de ontem.

O voo de retorno ao Brasil com os primeiros 211 brasileiros resgatados após o Hamas atacar o país decolou ainda na tarde desta terça-feira. 

O segundo voo, também da aeronave KC-30 e direto, está com saída de Tel-Aviv prevista para hoje, às 12h, e chegada ao Rio de Janeiro às 23h do mesmo dia. 

A terceira aeronave prevista para a operação é o KC-390, que saiu do Brasil ontem e chegará à capital israelense amanhã, às 12h, com pouso em Guarulhos na sexta-feira, às 11h. A rota prevista tem paradas em Lisboa e na Ilha do Sal, em Recife. 

O quarto voo será realizado pelo KC-30, que tem previsão de saída de Tel-Aviv nesta sexta-feira, às 12h, e chegada ao Rio de Janeiro no mesmo dia, às 23h.

E a quinta aeronave também é o KC-30 e tem previsão de saída de Israel no sábado, às 12h, e chegada ao Rio de Janeiro no mesmo dia, às 23h. Ambos os voos serão diretos.

Correio do Estado MS

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