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Imperador Akihito abdica esta semana do trono do Japão; entenda a sucessão

28 ABR 2019 - 17h:53 Por Paulo Ricardo
O imperador Akihito e a imperadora Michiko vão deixar o Trono de Crisântemo na próxima terça, 30 de abril. O imperador Akihito e a imperadora Michiko vão deixar o Trono de Crisântemo na próxima terça, 30 de abril. - Foto: Kazuhiro Nogi / POOL /AFP

Na próxima terça-feira (30), o imperador do Japão, Akihito, vai abdicar do trono. O país, que tem atualmente a monarquia mais longa do mundo – segundo registros oficiais da casa imperial, data de 2,6 mil anos atrás – terá a sua primeira abdicação em 202 anos.

Popular, Akihito passará a ser conhecido como "Imperador Heisei", o nome de sua era imperial, quando deixar o Trono de Crisântemo.

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Ele anunciou sua abdicação há cerca de um ano e meio. A legislação do país, no entanto, não permitia que o imperador saísse do posto ainda em vida. Para tornar isso possível, uma lei específica, que só se aplica a este monarca, hoje com 85 anos, teve que ser aprovada.

Para a japanóloga Carol Gluck, da Universidade Columbia, em Nova York, dois elementos chamam a atenção na saída do imperador: a mudança na legislação que permitiu a abdicação e visão da opinião pública do país sobre o imperador.

“A Lei da Casa Imperial diz que o imperador reina até a morte – o que é uma questão política, você não pode simplesmente abdicar. Mas não havia outra opção a não ser aceitar. Eles não podiam simplesmente dizer que não iam deixá-lo abdicar", explica Carol. Para ela, o fato de o congresso do país ter aceitado modificar a lei por causa de Akihito serve para ratificar o quanto ele é bem visto pela opinião pública.

"Ele é um imperador muito popular, muito benevolente. Ele fez coisas que ninguém nunca fez, como pedir desculpas pelas atitudes japonesas durante a Segunda Guerra Mundial e dizer que a família imperial tem ancestrais coreanos. Isso era impossível de ser dito antes", diz a especialista.

Em 2016, durante um raro pronunciamento na televisão, Akihito declarou "sentir restrições" na sua disposição física e temer que, no futuro, sua saúde não fosse permitir que cumprisse seus deveres "da melhor forma para o povo e o país". O imperador passou por uma cirurgia do coração em 2012 e, dez anos antes, tinha sido tratado de um câncer de próstata.

O imperador Akihito, com vestimenta cerimonial completa, antes de ser entronado em Tóquio. Ele reina desde 1989 Foto: Handout / IMPERIAL HOUSEHOLD AGENCY / AFP

No Japão, o imperador não governa – ele é o símbolo do Estado, conforme prevê a Constituição do país, em vigor desde 1947. O texto foi imposto aos japoneses pelos americanos durante a ocupação pós-Segunda Guerra.

Mesmo antes disso, na maior parte da história do país, o monarca reinava, mas não governava. Segundo a mitologia japonesa, os primeiros imperadores, de mais de 2 mil anos atrás, eram descendentes diretos dos deuses do Sol. Apesar de constarem no registro da casa imperial, não há comprovação de que eles, de fato, existiram.

A monarquia japonesa tem 2 mil anos Foto: Diana Yukari/Arte G1

Até 1868, o Japão ainda era um país feudal, governado pelos samurais. Com a ameaça de imperialismo do Ocidente e a necessidade de modernizar e centralizar o Estado, no entanto, o sistema foi abolido. Começou, então, a era Meiji – e, com ela, a figura do imperador ganhou um novo papel: de unificação nacional.

A era Meiji marcou uma grande modernização do país, com crescimento econômico e criação de empresas como a Mitsubishi, a Sumitomo e a Yasuda.

Reinado pacífico

Diferente da era do pai, Hirohito – cujo longo reinado (1926-1989) foi marcado pela 1ª e 2ª Guerras Mundiais e a 2ª Guerra Sino-Japonesa (1937-45) –, a era de Akihito foi um período de paz para o Japão.

No entanto, o reinado, que começou em 1989, foi marcado pela transição pós-Guerra Fria, estagnação econômica e vários desastres naturais, como o terremoto de Kobe, em 1995, e o acidente nuclear de Fukushima, em 2011.

Essas ocasiões foram, inclusive, momentos em que o imperador “fez de tudo” para mostrar que era um símbolo do povo japonês, avalia o professor Masato Ninomiya, da Faculdade de Direito da USP.

“A era dele foi uma em que, pela primeira vez em 150 anos, o Japão não teve guerras. Mas houve diversas catástrofes naturais – terremotos, tsunamis, acidente nuclear. Tudo o que o Japão podia experimentar de ruim aconteceu nesses 31 anos. E toda vez ele foi lá confortar o povo – as pessoas se ajoelhavam e eles conversavam olhando um no rosto do outro”, comenta Masato.

O imperador Akihito se ajoelha para falar com pessoas desabrigadas pela tragédia em Fukushima, em 2011. O gesto foi visto como "um grande símbolo de compaixão com o sofrimento daquelas pessoas", segundo a BBC Foto: Hiro Komae/AFP

Um mês depois do terremoto e tsunami que provocaram o desastre nuclear em Fukushima, Akihito e a imperadora, Michiko, foram vistos se ajoelhando junto às pessoas desabrigadas – o que foi visto "como um grande símbolo de compaixão com o sofrimento daquelas pessoas".

O gesto de Akihito, de fato, quebrou com tradições imperiais japonesas. Até o fim da Segunda Guerra Mundial, a figura do imperador do Japão era divina. O próprio pai de Akihito, o imperador Hirohito, renunciou a essa divindade. No entanto, nunca foi tão próximo do povo quanto o filho: ainda esperava que as pessoas se curvassem diante dele.

Além de se aproximar das pessoas comuns, Akihito também foi o primeiro imperador japonês, a se casar com uma mulher de fora da realeza.

Em 2015, ele também expressou "remorso profundo" sobre a 2.ª Guerra Mundial, durante um pronunciamento que marcou o aniversário de 70 anos do fim do conflito.

"Refletindo sobre o nosso passado e tendo em mente os sentimentos de profundo remorso na última guerra, espero fervorosamente que os estragos da guerra nunca se repitam. Presto sincero tributo a todos aqueles que perderam suas vidas na guerra, tanto nos campos de batalha como em outros lugares, e rezo pela paz mundial e pelo contínuo desenvolvimento de nosso país", declarou.

Para a especialista de Columbia, o pacifismo de Akihito tem origem clara. "Ele foi criado durante a 2ª Guerra Mundial — tem uma missão de paz desde o momento em que era um jovem rapaz. Não é coincidência que ele veja o mundo do jeito que vê", afirma.

Logo depois da guerra, os americanos, ocupando o Japão, tinham dúvidas se deveriam manter a figura do imperador, explica Leonardo Correia, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo cuja dissertação de mestrado é sobre a economia japonesa.

“Eles viram que o papel do imperador tinha um vínculo forte com a população. O casal imperial fez um grande papel de relações públicas — tanto no contexto internacional quanto dentro do Japão. Na Ásia, foi muito relevante no sentido de vender o Japão pacifista”, avalia Leonardo.

O curioso é que o papel do imperador pacifista foi exercido, à época, pelo mesmo monarca que reinou no país durante a guerra: Hirohito.

O jovem príncipe Akihito (dir.) lê o jornal ao lado de seu pai, o imperador Hirohito, e da mãe, a imperatriz Kojun, em foto da década de 1950. Akihito foi entronado o 125º imperador do Japão em 1989, após a morte de seu pai Foto: AFP/Intercontinentale/Arquivo

“É o mesmo homem – e é estranho, se você pensar nisso. A mesma pessoa que era o imperador da guerra agora é o da paz. De certa forma, o imperador é uma criatura do seu tempo em um grau muito maior do que imaginamos”, explica Carol Gluck. Hirohito apoiou a guerra, diz ela, encorajando os japoneses a continuarem lutando na batalha de Okinawa, por exemplo. Foi só no final do conflito que ele mudou de posição no sentido da rendição.

Uma nova era

O imperador Akihito (à direita) acena para admiradores durante a aparição pública de Ano Novo, no dia 2 de janeiro. O príncipe Naruhito, que aparece à esquerda na foto, assume o trono no dia 1º de maio, dando início à nova era imperial - a Reiwa.Foto: Eugene Hoshiko/AP

Depois que Akihito abdicar, quem sobe ao Trono de Crisântemo é o filho dele, Naruhito – que deve manter o mesmo tom conciliador do pai, explica Jonathan Portela, mestre em história contemporânea pela Universidade Federal de São Paulo.

“Naruhito deve manter o discurso de diálogo. Ele é de evitar polêmicas. Sempre se dedicou mais ao campo acadêmico, é pesquisador, se dedica a palestras, aulas na universidade. Para o mercado japonês, é excelente. Não poderiam querer melhor – ele não deve entrar muito em conflito com o primeiro-ministro”, avalia Jonathan.

O próximo monarca tem outro fator em comum com o pai: a esposa dele, a princesa Masako, também é uma mulher que veio de fora da realeza. A futura imperadora estudou em uma faculdade afiliada à Universidade Harvard e em Oxford, e é fluente em inglês e francês. Quando aceitou o pedido de casamento de Naruhito, teve que desistir de uma carreira na diplomacia – para a qual tinha acabado de ser aprovada.

As credenciais acadêmicas são, aliás, outro fator em comum que a nova monarca terá com a antiga. A atual imperadora, Michiko, também fez cursos em Harvard e Oxford.

Por um longo período, Masako ficou sem aparecer em público por transtornos mentais relacionados a estresse, conforme descrito pela casa imperial.

“É difícil ser uma mulher plebeia entrando na família imperial. Respeito muito a maneira como esses homens tentaram proteger suas esposas, mesmo que não pudessem. A princesa herdeira está à beira de um colapso nervoso há muito tempo, mais de 20 anos”, pondera Carol.

O príncipe Naruhito, a princesa Masako e a filha do casal, a princesa Aiko, em uma foto de 2002. Pela lei imperial japonesa, Aiko, por ser menina, não pode ascender ao trono Foto: Yoshikazu Tsuno/AFP

O próprio príncipe Naruhito chegou a comentar sobre as dificuldades de adaptação da esposa à vida imperial.

“A princesa ficou muito aflita por não ter permissão para fazer visitas ao exterior por um longo tempo. Ela trabalhou duro para se adaptar ao ambiente da Casa Imperial nos últimos 10 anos, mas, pelo que vejo, acho que ela se exauriu completamente ao tentar fazê-lo”, afirmou o príncipe, em 2004, segundo a agência de notícias da Casa Imperial do Japão.

E depois?

O príncipe Hisahito, de 12 anos, com os pais, o príncipe Akishino e a princesa Kiko, depois da cerimônia de formatura da escola primária, em Tóquio, neste ano. Ele deverá suceder o tio, Naruhito, como imperador do Japão Foto: Eugene Hoshiko / POOL / AFP

A lei japonesa dita que só homens podem se tornar imperadores. Há um detalhe, entretanto: o próximo monarca, Naruhito, tem uma filha. Isso produziu um grande debate no país para mudar a lei imperial e permitir que uma mulher chegasse ao trono. Mas os japoneses conservadores resistiram à ideia.

“Eles mudaram a lei, mas não desse jeito – tornaram possível ao sobrinho do imperador, Hisahito, se tornar o próximo imperador. A sucessão permanece masculina, mas não precisa ser direta. Nos tempos antigos, eles nunca tinham descendentes diretos como imperadores, dependentes de uma linhagem sanguínea. A mudança só aconteceu a partir de 1868, com o sistema imperial moderno — que foi inspirado na monarquia europeia”, explica.

A princesa Aiko, filha do príncipe Naruhito, de 17 anos. Por ser menina, Aiko não pode se tornar imperadora Foto: AFP PHOTO / FILES / IMPERIAL HOUSEHOLD AGENCY

Desde então, o país passou por quatro eras imperiais, cujos nomes mudam a cada vez que um novo monarca chega ao trono. Antes de 1868, podiam mudar com maior frequência, como, por exemplo, depois de grandes desastres.

O reinado de Naruhito se chamará Reiwa, uma junção das palavras "ordem" e "harmonia". Com exceção do nome Meiji, no entanto – que foi escolhido “muito cerimoniosamente”, segundo Carol Gluck – eles têm significados vazios.

“A diferença é que, desta vez [na era Reiwa], eles retiraram os caracteres da coleção mais antiga de poesias japonesas – apesar de a parte da qual eles tiraram estar escrita, na verdade, em chinês. (...) Para a maioria das pessoas, isso só significa camisetas novas, material de papelaria novo, carimbos novos”, avalia a especialista.

O novo nome pode ter um significado vazio, mas a troca de imperador deu ao Japão dez dias de feriado: creches, hospitais, bancos e outros empreendimentos ficarão fechados até o dia 6 de maio.

Fonte: Lara Pinheiro, G1

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