O auxiliar administrativo, Caio Aparecida Pereira dos Santos, é um homem trans que está grávido de 7 meses. Como sempre sonhou em ser pai, a gestação foi planejada. O que Caio não esperava, é que encontraria tanta dificuldade em conseguir atendimento médico na rede de saúde pública em Campo Grande (MS), onde mora.
O paciente retificou o gênero para "masculino" em todos seus documentos pessoais, inclusive na certidão de nascimento. Por isso, o sistema de regulação da Secretaria Municipal de Campo Grande (Sesau), não permite que Caio realize os exames de pré-natal no Hospital Universitário, já que está disponível apenas para pessoa com gênero "feminino".
"Fui encaminhado do posto de saúde do bairro para o HU (Hospital Universitário) falando que seria mais fácil por ter um ambulatório trans. Chegando aqui, já na primeira consulta foi passada os ultrassons pra eu fazer e quando eu fui agendar, disseram que não poderia agendar devido meu sexo estar masculino nos meus registros", relatou Caio.
Ele realizou os primeiros exames do pré-natal em Uberlândia (MG), onde morava até dois meses atrás, antes de se mudar para Mato Grosso do Sul.
Em nota, a Sesau afirmou que o paciente não teria impedimento de fazer o pré-natal, mesmo com nome masculino em sua documentação. Contudo, a pasta alega que os procedimentos devem ser lançados no Sistema Nacional de Regulação (Sisreg) de forma manual, já que o programa "não está atualizado para esta necessidade". Confira a nota na íntegra ao fim da matéria.
Caio afirmou ainda que quando entrou em contato com a Sesau para tentar agendar os exames, foi orientado a contratar um advogado para mudar o gênero para "feminino" no cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). O que o paciente não pretende fazer.
"Eu tô me sentindo abandonado. Eu, como cidadão, mesmo eu desempregado hoje porque parei por causa da gestação que é de alto risco, mas trabalhei desde cedo, contribuindo, não tenho direito como qualquer outra pessoa", lamentou Caio.
O médico ginecologista e obstetra do HU, Ricardo Gomes, apontou ainda que o hospital já realizou exames, e até partos, de homens trans anteriormente, mas porque os gêneros deles ainda não estavam retificados nos documentos pessoais.
"Se a gente não olhar para essas questões, por mais que sejam burocráticas, e talvez até relativamente simples de resolver, a gente sempre vai ter pessoas da população trans com dificuldade de ter acesso ao sistema de saúde", ressaltou.
Leia a nota da Sesau na íntegra:
"A Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) informa que o paciente em questão já está sendo acompanhado pela equipe da unidade de saúde de referência da região onde ele mora, tendo passado por três consultas de pré-natal e estando, também, em acompanhamento na rede de atenção psicossocial.
Essas três consultas pelas quais o paciente passou foram em um intervalo de quatro dias, sendo atendido por uma enfermeira, um médico e um ginecologista. Tendo em mente o histórico de saúde do paciente, a equipe também já o direcionou para atendimento no hospital universitário, assim será acompanhado por um especialista de forma mais intensa.
Sobre a regulação do paciente, esta acontece normalmente, contudo, pelo fato de seu nome social ser diferente do registrado em CPF, é necessário que a equipe da secretaria realize o lançamento e autorização do procedimento de forma manual, uma vez que o Sisreg, que é de competência ministerial, ainda não está atualizado para esta necessidade, de toda forma, o atendimento é garantido.
Mesmo apresentando documentação com nome masculino, o paciente não tem impedimento nenhum para realizar o pré-natal."
Gabrielle Tavares e Ana Lívia Tavares, g1 MS