Saúde

Paciente convive há 35 anos com agulha esquecida 2 vezes dentro do corpo

Marta suspeita que 1º erro médico ocorreu 1988; em 2004, cirurgião retirou útero, mas largou a agulha

6 OUT 2023 - 16h:52 Por Redação/EC
Raio-x de 2022 mostra que agulha está no mesmo lugar. Raio-x de 2022 mostra que agulha está no mesmo lugar. - Foto: Reprodução dos autos de processo

Paciente de 66 anos espera há nove anos ser indenizada por hospital e médicos, depois que descobriu que uma agulha cirúrgica foi "esquecida" em seu corpo duas vezes. A ação de indenização por erro médico tramita na 3ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande desde 2014, mas a história de Marta Carneiro Brito começou em 1988, com o primeiro "descuido".

Após o parto da última filha, por cesariana, na maternidade Santa Lúcia, em Cáceres (MT), a mulher passou a sentir fortes dores abdominais. Médicos, porém, não haviam conseguido diagnosticar a causa, até que no início de 2004, 16 anos depois, ainda sofrendo com incômodo que também lhe atingia a coluna, um profissional conseguiu descobrir a causa em Campo Grande. Raio-x mostrou “material curvilíneo e denso” na região da pelve da paciente, que parece uma agulha cirúrgica, usada para suturas. "Sentia muita dor, um incômodo", contou.

Marta procurou então a Santa Casa de Campo Grande e descobriu ser também portadora de um mioma uterino. A médica recomendou tratamento para a “histerectomia total” e “retirada de corpo estranho” da paciente. Em outubro de 2004, ela foi internada no maior hospital de Mato Grosso do Sul para cirurgia. 

Após acordar da operação, a mulher que esperava se ver livre das dores foi informada que o objeto não foi encontrado e por isso, não foi retirado. "Tiraram meu útero, mas não tiraram a agulha. Sofri uma parada cardiorrespiratória durante a cirurgia. Depois disso, fiquei com trauma muito grande, não queria mais ver médico", conta.

Inconformada, ela foi ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e só em 2011 conseguiu passar por nova inspeção médica. Em dezembro daquele ano, nova radiografia encontrou o material metálico curvilíneo no mesmo lugar. A paciente pretendia realizar nova cirurgia para a retirada do objeto, mas àquela altura já convivia com diabetes e hipertensão. Cirurgia foi desaconselhada até que melhorasse o quadro.

Ela processou os médicos – obstetra que esqueceu a agulha, radiologista que fez raio-x na Santa Casa e “não encontrou” o objeto, além do cirurgião que não retirou o corpo estranho durante a cirurgia em 2004 – a maternidade de Mato Grosso e o hospital da Capital. Na ação, os processados se defenderam alegando que o prazo para ingressar com o pedido de indenização já estava prescrito e que não era possível comprovar que a agulha perdida eram a causa das dores da mulher, já que ela também retirou o mioma uterino. 

Rebatendo uma das argumentações, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, que representa a paciente, afirmou que “os danos sofridos pela autora são indiscutíveis”. “Como última tentativa de se esquivar de sua responsabilidade, a requerida alega que o valor buscado pela autora é exorbitante porque ela ‘não está inválida, não sofreu sequelas, não está enferma, (...) não sofreu constrangimentos, não está abalada nos campos mentais’. Certamente, a referida médica assim pensa porque nunca ficou com uma agulha esquecida em sua pelve, por anos e anos a fio (desde 1988), sentindo fortes dores e ainda, procurando por diversos médicos e realizando exames sem sucesso”. 

Em 2014, o pedido foi de uma indenização de R$ 210 mil. O processo segue a passos lentos. Em setembro do ano passado, a juíza Liliana de Oliveira Monteiro mandou que a paciente passasse por perícia médica. A última movimentação foi em março deste ano, quando raio-x foi anexado ao autos mostrando que a agulha não saiu do lugar.

Conforme Marta, na última consulta foi aconselhada a deixar a agulha onde está, na pelve óssea do lado esquerdo, onde foi criada uma película de proteção em volta do objeto. "Por causa da diabetes, a cirurgia pode ter complicação. Minha vida é viver com medo, com trauma, insegurança. Até hoje estou inconformada", contou.

Quanto às dores, Marta continua sentindo, mas agora misturado com outros problemas de saúde. Por causa da agulha, ela não pode fazer ressonância magnética, exame para identificar outros problemas. "Não posso fazer, porque se a agulhar se movimentar pode me causar morte instantânea", afirmou. 

Anahi Zurutuza e Viviane Oliveira/campograndenews

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