COLUNA

Valdir Silva

Eu e os cabeça branca

19 JUL 2022 - 20h:11 Por Valdir Silva

Por ocasião da realização de um exame de eletrocardiograma que meu pai devia ser submetido, eu estive hoje no Hospital Regional, em Coxim. Aguardávamos na fila e, enquanto isso ocorria, ouvi a conversa entre alguns idosos. Ambos recordavam o tempo da escola e faziam comparações com a escola atual. 

Uma senhora bem mais jovem, inserindo-se na conversa, contou que, no seu tempo, os professores batiam nos alunos com um instrumento chamado palmatória. O senhor, o mais idoso daquela conversa, salientou que "ou aprendia ou aprendia". Ele estava convencido de que as crianças de hoje não aprendem direito, pois até as operações mais simples da matemática podem ser realizadas com a ajuda dos smartphones. 

Essa ideia teve a absoluta concordância dos partícipes daquele diálogo. Uma senhora acrescentou que sua neta, em tenra infância, sabe "mexer" mais que ela no aparelho telefônico. Os turnos de fala prosseguiram até que se iniciou o atendimento médico o qual traziam todos àquele nosocômio. 

A trivialidade dessas conversas que se tecem à malha do cotidiano nos traz considerações importantes que nos faz refletir sobre as mudanças pelas quais passou a educação, tanto do modo como ela está configurada e quais os objetivos dela. 

Outro ponto sob o qual detive minha atenção foi a alternância dos detentores do saber. Antes, valia a gerontocracia, isto é, a validade do saber dos mais idosos. Eram eles que sabiam onde e quando plantar, que decidiam com quem os filhos iriam se casar, sabiam e quais rezas e para quais santos se deviam direcionar a fé para obter uma graça. 

Hoje, muito diferente e até admitido pelos idosos, os saberes mais funcionais do convívio social está nas mãos dos mais jovens. São eles que sabem ligar a smart TV, eles é quem sabem "mexer", eles que levam os idosos ao caixa eletrônico para operar o equipamento bancário.

Esse redimensionamento trouxe uma mudança, sobretudo, nas relações e da percepção de si. A típica insegurança da juventude foi trocada pela segurança absoluta. Nada pode ocorrer ao jovem hoje, tudo podem, segundo eles mesmos. 

Eles invadem as redes sociais dando dicas do consumo, fazendo análises, emitindo pareceres, aconselhando sobre formas de se relacionar e de viver. Tudo isso sem ter a validação da experiência. 

Essa hipervalorização do conhecimento sem validação é a tônica do momento. Vive-se a realidade como uma extensão do mundo virtual e vice-versa. Desenraizado de valores que dão sentido à existência prega-se a ideia da juventude eterna. Faz-se de tudo e mais um pouco para não envelhecer. Quando se notam um dissidente dessa política de existência logo se alcunha de retrô, atrasado e toda sorte de pejoração. 

Hoje, na zona intermediária entre a jovialidade e terceira idade, me resta olhar para tudo isso e me perguntar: quando será a minha vez de fazer todos esses exames? (os exames clínicos e os de consciência).

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